Sócrates (469 a.C. – 399 a.C.) se consagrou na história da filosofia sem ter escrito um livro se quer. A obra de Platão “Apologia de Sócrates” apresenta uma excelente exposição da personalidade de Sócrates, o filosófico que “nada sabia”, e que, por isso se julgava sábio, pois admitia nada saber. Antes dele, filósofos como Thales de Mileto tentavam entender as coisas a partir da natureza (fogo, terra, água, ar). Entretanto, após a condenação de Sócrates, a filosofia ocidental como um todo, mudou. Os filósofos pós-socráticos por outro lado, buscavam entender questões mais subjetivas como a religião e a política.
Platão (428 a.C. – 347 a.C.), filósofo da Grécia Antiga e o fundador da célebre Academia de Atenas, buscou nesta obra, explanar sua versão do discurso proferido por Sócrates em 399 a.C., durante o julgamento de que foi alvo, reproduzindo as palavras que o mestre Sócrates usou para, em vão, tentar se defender . O processo foi movido por Meleto, um poeta da mesma época. Sócrates era acusado de corromper a juventude e também de não respeitar a religião, venerando assim outras (e novas) divindades. Platão, amigo (e discípulo) de Sócrates, buscou eternizar as palavras proferidas pelo sábio grego antes e depois da condenação à morte.
Durante o julgamento, Sócrates afirma que não pretende mentir nem manipular:
“Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar. Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos por mim, com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência, se, todavia, não denominam “hábil no falar” aquele que diz a verdade.”
Em um momento tão delicado como aquele, Sócrates tem plena consciência de que será difícil desconstruir em tão pouco tempo a imagem negativa que vinha sendo construída dele, após tanto tempo, por seus opositores. Ele destaca:
“Ora bem, cidadãos atenienses, devo defender-me e empreender remover de vossa mente, em tão breve hora, a má opinião acolhida por vós durante muito tempo. Certo eu desejaria consegui-lo, e seria o melhor, para vós e para mim, se, defendendo-me, obtivesse algum proveito; mas vejo a coisa difícil, e bem percebo por quê.”
Sócrates tem ciência de sua provável condenação e nem por isso suplica por sua vida. Ao contrário, ele deixa claro que não tem medo da morte:
“Ninguém sabe, na verdade, se por acaso a morte não é o maior de todos os bens para o homem, e entretanto todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior dos males.”
Mesmo diante de tal entrave, Sócrates destaca não pretende mudar de comportamento e forma de pensar:
“Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados.”
Sócrates destaca sua situação de pobreza, esclarecendo:
“Nunca, ao menos, falei de dinheiro; mas igualmente me presto a me interrogar os ricos e os pobres, quando alguém, respondendo, quer ouvir o que digo. e se algum deles se torna melhor, ou não se torna não posso ser responsável, pois que não prometi, nem dei, nesse sentido, nenhum ensinamento.”
Após ser sentenciado, Sócrates exorta que todos os presentes serão lembrados como “os assassinos de um sábio” :
“Mas, ó cidadãos, talvez o difícil não seja isso: fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte.”
E fecha seu discurso dizendo:
“Mas, já é hora de irmos: eu para a morte, e vós para viverdes. Mas, quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para deus.”
Certamente até hoje, é uma grande inspiração para quem estuda ou atua na área do Direito, Sócrates é considerado um dos precursores da filosofia ocidental. Depois de 30 dias de prisão, ele foi executado, bebendo cicuta na presença dos seus amigos.