O Inferno Somos Nós

Todos nós vivemos dias difíceis, tempos de crise, onde o ódio parece sempre ter sua voz cada vez mais amplificada, com o apoio de mídias sociais e do próprio cotidiano que nos cerca. Essa vozes, esses ruídos, em um mundo repleto de preconceitos e intolerâncias, parecem nunca dialogar. Seja no trânsito, nas reuniões, na rua, junto dos demais (que por diversas vezes podem ser sim, serem demais, além da conta), o inferno parece nos cercar. Mas como lidar com tudo isso sem perder a cabeça e a humanidade? Como sermos mais humanos? Como transformar o ódio evidente nas relações humanas em uma compreensão do outro em todas as suas diferenças? Como lidar com este cenário de violência em que vivemos, afim de construir uma cultura de paz? A obra “O inferno somos nós: Do ódio à cultura de paz” nos convida a refletir sobre esses aspectos tão reais, tão atuais e tão necessários. Escrito em forma de diálogo, o historiador Leandro Karnal e a Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen-budista do Brasil, trazem um bate-papo leve e ao mesmo tempo nada raso sobre os temas acima. Os autores destacam que o medo pode estar ligado à origem de toda esta violência presenciada diariamente por nós e sugerem que a partir do autoconhecimento, sejamos capazes de produzir novas atitudes, novos comportamentos na sociedade, tornando-a menos agressiva e bem mais acolhedora.

A obra, lançada em 2018, se difere de boa parte de outros livros de autoajuda quando traz em poucas páginas, uma reflexão tão profunda. Em pouco mais de 100 páginas, o excesso de texto encontramos em outros títulos dá lugar a um texto leve, delicado, respeitoso, envolvente e muitos momentos, extremamente engraçado. Karnal, em diversos momentos é irreverente, com várias pitadas (não tão pequenas) de ironia e franqueza, não imponto verdades únicas, assim como a Monja Coen que, com sua delicadeza ao expressar seus sentimentos, também transparência e humanidade em seu cotidiano, apresentando com isso, os inúmeros defeitos que temos (deixando claro que com ela não seria diferente). Assim, deixa evidente que não existe uma fórmula secreta nem verdade absoluta ao tratar os temas citados. Por outro lado, ambos os autores são extremamente educados e gentis ao apresentar seus pontos de vista e suas ideias, cabendo ao leitor a decisão final.

Algumas reflexões importantes encontradas no livro:

“Quase todo mal do mundo, quase toda cultura de guerra, de violência, de racismo, de misoginia é feita em nome do bem. É muito raro encontrar pessoas que assumam que fizeram algo em nome do ódio ou da raiva.” – Leandro Karnal

“Não devemos aceitar tudo, não podemos aceitar qualquer maneira de ser e pensar. Não. Nós podemos compreender que existem pessoas que façam discriminação de gênero, discriminação entre mulheres e homens, discriminação por cor de pele (…). Podemos compreender, mas não permitir que isso se manifeste, que se alastre.” – Monja Coen

“Uma cultura de paz é uma cultura de tolerância ativa, mas também é, acima de tudo, uma cultura de conhecimento de si.” – Leandro Karnal

“Para mim, só existe caminho para uma cultura de paz: o autoconhecimento.” – Monja Coen

“Quando a Educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor e substituir aquela dor e apenas pensar que o chicote é ruim porque não estou no cabo dele na minha mão. Se estivesse na minha mão eu estaria feliz.” – Leandro Karnal

“As mudanças acontecem em razão daqueles que se atrevem a ser um pouco diferentes e a manifestar essa maneira de ser no mundo.” – Monja Coen

“Quando condenamos o hábito alimentar de alguém o tipo de roupa que ele veste ou a ausência de trajes, estamos falando de algo que incomoda mais a nós mesmos do que qualquer outra coisa, e muito menos sobre o outro, sobre o bem ou sobre caridade e assim por diante.” – Leandro Karnal

“Nós temos grandes grupos de pessoas pensando de forma oposta uns aos outros. Pessoas que não foram ensinadas, estimuladas, treinadas desde criancinhas a colaborar. Se quisermos construir uma cultura de paz, teremos que ensinar nossas crianças a colaborar, a compartilhar o brinquedo, a ajudar aquele colega que tem mais dificuldade em uma matéria na escola.” – Monja Coen

“Talvez, o inferno não sejam os outros, como pensava o filósofo francês Jean-Paul Sartre, e sim nós mesmos.” – Leandro Karnal