A forma de escrever de Saramago é única. Este autor português teve em 2008 uma de suas obras transposta para o cinema: o genial “Ensaio sobre a Cegueira”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e estrelando Julianne Moore, Mark Ruffalo e Gael García Bernal. Ali eu começava por conhecer este exímio escritor.
Aqui, em “O silêncio da água”, diferentemente da obra acima citada, Saramago demonstra com toda sua desenvoltura na escrita ao apresentar um título destinado a outro público em especial: o público infanto-juvenil. Com um enredo repleto de aventura e peripécias (além, é claro das ilustrações que compõem a obra), Saramago mostra que consegue ser versátil na linguagem e na apresentação de suas ideias e escritos.
A apresentação da obra nos coloca cara a cara com a aventura que envolve Saramago:
Em uma tarde silenciosa, um garoto vai pescar à beira do Tejo e é surpreendido por um peixe enorme que lhe puxa o anzol. Infelizmente, a linha arrebenta, deixando-o escapar. Ele corre até a casa dos avós, com a esperança de voltar, rearmar a vara e “ajustar as contas com o monstro”. Claro que, ao alcançar o mesmo ponto do rio, o menino não encontra mais nada, apenas o silêncio da água. Sua tristeza só não é completa pois o peixe, como ele diz, “com o meu anzol enganchado nas guelras, tinha a minha marca, era meu”. Esse menino foi José Saramago, que narra neste livro uma aventura de infância que, para ele, culmina em um despertar da lucidez. Ilustrado por Manuel Estrada, este pequeno conto autobiográfico se torna uma fábula de extraordinária beleza e sabedoria.
Vale destacar que “O silêncio da água” marca o primeiro aniversário da sua morte.
José Saramago, escritor português ganhador do prêmio Nobel em 1998, publicou suas memórias de infância e adolescência na obra ‘As pequenas memórias’, do qual a história contada em “O silêncio da água” é um fragmento. A edição que tive contato data de 2011, publicada no Brasil pela Companhia das Letras. A obra em sim trata-se da recordação de um dia em que Saramago saiu para pescar na foz do rio Almonda e, ao fim do dia, lutou com um enorme peixe que levou para o fundo “anzol, boia e chumbada”. Com uma linguagem envolvente que só Saramago consegue ter, o autor nos leva a experimentar a experiência em torno da espera, o espanto, a frustração e a esperança ingênua que tomaram conta do garoto naquele dia inesquecível. Os desenhos e colagens presentes na obras são do artista gráfico espanhol Manuel Estrada que, de uma forma simbiótica, complementa o texto, enriquecendo-o.
Algumas passagens interessantes:
Voltei ao sítio, já o Sol se pusera, lancei o anzol e esperei. Não creio que exista no mundo um silêncio mais profundo que o silêncio da água. Senti-o naquela hora e nunca mais o esqueci.
Aquele barbo tinha vivido muito, devia ser, pela força, uma besta corpulenta, mas de certeza não morreria de velho, alguém o pescou num outro dia qualquer.
Não creio que exista no mundo um silêncio mais profundo que o silêncio da água. Senti-o naquela hora e nunca mais o esqueci.
José Saramago nasceu em 1922, uma família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa, Portugal. Foi desenhista, funcionário público, editor, jornalista, tradutor e, a partir de 1947, quando publicou o primeiro livro, também escritor. Hoje tem 46 livros editados, de histórias, poesia e peças de teatro. Em 1998 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Saramago morreu em sua casa em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, em 2010.