Bertrand Russel (1872-1970) apresenta na obra “A Filosofia entre a Religião e a Ciência”, de forma simples e direta, como a filosofia e o pensamento foram afetados ao longo dos séculos, tanto pela religião quanto pela ciência, e como evoluiu historicamente o comportamento dos seres humanos em relação a seus deveres para com Deus e o Estado, assim como o papel da igreja e dos reinados neste contexto. A obra retrata ainda como o estoicismo preparou o caminho para o cristianismo, ao considerar a vida virtuosa uma relação da alma com Deus e não do cidadão com o Estado.
Desta forma, o livro descreve os pilares do pensamento ocidental: a Filosofia grega, a ética e a moral judaico-cristã e o direito romano. Russel esclarece que a filosofia encontra-se entre a teologia e a ciência, numa “zona cinza” entre estas duas grandes correntes.
Destaco três trechos interessantes do livro:
“Os conceitos da vida e do mundo que chamamos “filosóficos” são produto de dois fatores: um, constituído de fatores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar “científica”, empregando a palavra em seu sentido mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia.”
“A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido – eu o afirmaria – pertence à ciência; e todo dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Mas entre a teologia e a ciência existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra de Ninguém é a filosofia.”
“A ciência diz-nos o que podemos saber, mas o que podemos saber é muito pouco e, se esquecemos quanto nos é impossível saber, tornamo-nos insensíveis a muitas coisas sumamente importantes. A teologia, por outro lado, nos induz à crença dogmática de que temos conhecimento de coisas que, na realidade, ignoramos e, por isso, gera uma espécie de insolência impertinente com respeito ao universo. A incerteza, na presença de grandes esperanças e receios, é dolorosa, mas temos de suportá-la, se quisermos viver sem o apoio de confortadores contos de fadas. Não devemos também esquecer as questões suscitadas pela filosofia, ou persuadir-nos de que encontramos, para as mesmas, respostas indubitáveis. Ensinar a viver sem essa segurança e sem que se fique, não obstante, paralisado pela hesitação, é talvez a coisa principal que a filosofia, em nossa época, pode proporcionar àqueles que a estudam.”