Comédias para se ler na escola

Luis Fernando Veríssimo é fantástico. A forma como aborda situações cotidianas em seus textos, por meio de crônicas, como as que estão dispostas em “Comédias para se ler na escola” é invejável, dignas de nota. Engraçadas, admiráveis e repletas de conteúdo, os textos conseguem nos tirar do prumo, fazendo com que lembremos de momentos vividos, experiências pessoais, notícias…

Tendo sua 1ª edição lançada em Fevereiro de 2001 pela Objetiva, “Comédias para se ler na escola” traz uma reunião das crônicas de Luis Fernando Verissimo realizada através dos olhares da escritora Ana Maria Machado. Como o próprio título explicitamente já sugere, a compilação dos textos tem como destino certo os jovens leitores, dando um destaque todo especial às situações de humor, com bastante descontração e irreverência.

As histórias contidas na obra estão divididas em seis temas e envolvem todos os leitores que apreciam uma boa diversão, com assuntos dos mais diversos, indo desde os enganos curiosos que podem ocorrer entre as pessoas, a até as singularidades da nossa língua portuguesa.

A apresentação oficial da obra destaca bem o que está por vir:
A dobradinha não podia ser melhor. De um lado, as histórias de um mestre do humor. Do outro, o olhar perspicaz de uma das mais talentosas escritoras do país, especialista em literatura para jovens. Ana Maria Machado, leitora de carteirinha de Luis Fernando Verissimo, preparou uma seleção de crônicas capaz de despertar nos estudantes o prazer e a paixão pela leitura. O resultado pode ser conferido em Comédias para se ler na escola, uma rara e feliz combinação de talentos, indispensável para a sala de aula. A seleção de textos permite ao leitor mergulhar no universo das histórias e personagens de Verissimo e conhecer os múltiplos recursos deste artesão das letras. A habilidade para os exercícios de linguagem ou de estilo pode ser vista em crônicas como “Palavreado”, “Jargão”, “O ator” e “Siglas”. A competência para desenvolver as comédias de erro está presente em “O Homem Trocado”, “Suflê de Chuchu” e “Sozinhos”. A mestria para criar pequenas fábulas, com moral não explícita, aparece em “A Novata”, “Hábito Nacional” e “Pode Acontecer”. A aptidão para resgatar memórias é a marca de “Adolescência”, “A Bola” e “História Estranha”. E, por fim, o dom para abordagens originais de temas recorrentes revela-se em “Da Timidez”, “Fobias” e “ABC”.

Certamente uma ótima escolha se você deseja dar boas gargalhadas. Aliás, difícil contê-las, pois certas crônicas, de tão cômicas, mais parecem piadas! Pode mergulhar sem medo!

A seguir três crônicas que fazem parte da obra:

A Foto
Foi numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a família reunida, talvez pela última vez. A bisa e o bisa sentados, filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente, esparramados pelo chão. Castelo, o dono da câmara, comandou a pose, depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?
– Tira você mesmo, ué.
– Ah, é? E eu não saio na foto?
O Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os velhos. Tinha que estar na fotografia.
– Tiro eu – disse o marido da Bitinha. – Você fica aqui – comandou a Bitinha.
Havia uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha, orgulhosa, insistia para que o marido reagisse. “Não deixa eles te humilharem, Mário Cesar”, dizia sempre. O Mário Cesar ficou firme onde estava, do lado da mulher. A própria Bitinha fez a sugestão maldosa:
– Acho que quem deve tirar é o Dudu…
O Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não fosse filho do Luiz Olavo.
O Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas a Andradina segurou o filho.
– Só faltava essa, o Dudu não sair. E agora?
– Pô, Castelo. Você disse que essa câmara só faltava falar. E não tem nem timer!
O Castelo impávido. Tinham ciúmes dele. Porque ele tinha um Santana do ano. Porque comprara a câmara num duty free da Europa. Aliás, o apelido dele entre os outros era “Dutifri”, mas ele não sabia.
– Revezamento – sugeriu alguém. – Cada genro bate uma foto em que ele não aparece, e…
A idéia foi sepultada em protestos. Tinha que ser toda a família reunida em volta da bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu, caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua mão. – Dá aqui.
– Mas seu Domício… – Vai pra lá e fica quieto.
– Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido! – Eu fico implícito – disse o velho, já com o olho no visor. E antes que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi dormir.

Sexa
– Hmmm?
– Como é o feminino de sexo?
– O quê?
– O feminino de sexo.
– Não tem.
– Sexo não tem feminino?
– Não.
– Só tem sexo masculino?
– É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.
– E como é o feminino de sexo?
– Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
– Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
– O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra “sexo” e masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.
– Não devia ser “a sexa”?
– Não.
– Por que não?
– Porque não! Desculpe. Porque não. “Sexo” é sempre masculino.
– O sexo da mulher é masculino?
– É. Não! O sexo da mulher é feminino.
– E como é o feminino?
– Sexo mesmo. Igual ao do homem.
– O sexo da mulher é igual ao do homem?
– É. Quer dizer… Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo feminino, certo?
– Certo.
– São duas coisas diferentes.
– Então como é o feminino de sexo?
– É igual ao masculino.
– Mas não são diferentes?
– Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.
– Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
– A palavra é masculina.

Siglas
– Bota aí: “P”
– “P”
– De “Partido”.
– Ah.
– Nossa proposta qual é? De união, certo? Acho que a palavra “União” deve constar do nome.
– Certo. Partido de União…
– Mobilizadora!
– Boa! Dá a idéia de ação, de congraçamento dinâmico. Partido da União Mobilizadora. Como é que fica a sigla?
– PUM.
– Não sei não…
– É. Vamos tentar outro. Deixa ver. “P”…
– “P” é tranqüilo.
– Acho que “Social” tem que constar.
– Claro. Partido Social…
– Trabalhista?
– Fica PST Não dá.
– É. Iam acabar nos chamando de “Ei, você”.
– E mesmo “trabalhista’, não sei. Alguém aqui é trabalhista?
– Isso é o de menos. Vamos ver. “P”…
– Quem sabe a gente esquece o “P”?
– É. O “P” atrapalha. Bota “A”, de Aliança. Aliança Inovadora…
– AI.
– Que foi?
– Não. A sigla. Fica AI.
– Espera. Eu ainda não terminei. Aliança Inovadora… de Arregimentação Institucional.
– AIAI… Sei não.
– É. Pode ser mal interpretado.
– Vanguarda Conservadora?
– Você enlouqueceu? Fica VC.
– Aliança Republicana de Renovação do Estado.
– ARRE!
– O quê?
– Calma.
– Espera aí pessoal. Quem sabe a gente define a posição ideológica do partido antes de pensar na sigla? Qual é, exatamente, a nossa posição?

Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre em 26 de setembro de 1936. É escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro e romancista brasileiro. Já foi publicitário e revisor de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de 80 títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também escritor Érico Verissimo.