Confiança e Medo na Cidade

Viver nos grandes centros tem sido a escolha de muitos de nós. Os motivos são os mais diversos: desde estar mais próximo das conveniências da vida cotidiana ou motivos relacionados a emprego e razões profissionais. Porém essa fuga do interior para a “cidade grande” tem consequências e para muitos, elas são duras e pesadas. Claro que, ao se mover de um local a outro, sempre temos em mente planos positivos e esperança de que tudo ficará bem, mas nem sempre isso ocorre. As variáveis são diversas e a de se entender que o mundo não gira em torno de nosso umbigo. Logo, quanto mais próximo de conglomerados humanos, maiores as chances de nos frustrarmos. Não adianta nem pensar o contrário.

Apontando nesta direção, temos “Confiança e Medo na cidade” de Zygmunt Bauman. O livro é um compilado de três ensaios do mundialmente famoso sociólogo polonês: “Confiança e medo na cidade”, “Buscar abrigo na caixa de Pandora: medo e incerteza na vida urbana” e “Viver com estrangeiros”. Os textos trazem para a discussão a vida cotidiana das pessoas na grande cidade e também as consequências de suas escolhas quanto a escolher tais locais para viver. Segundo Bauman, na era da vila global, os grandes centros como conhecemos são aquelas bifurcações entre possibilidade e frustração, entre o declínio e o desenvolvimento, entre felicidade e medo, onde “fervem os problemas”, mas onde reside a maior criatividade para tornar “mais humana a sociedade dos homens”.

Publicado originalmente em 2005, trata-se de um pequeno livro mas com um grande potencial de alcance, de leitura muito agradável. Nos tempos atuais, uma leitura mais que necessária.

Temos que considerar que a cidade do nosso tempo se transformou em um território de medo e insegurança. Por isso mesmo, a arquitetura das metrópoles tornou-se defensiva: bairros fechados, grades, muros e uma série de mecanismos que restringem o contato com o outro. O resultado disso é um espaço urbano que promove a segregação, e não o encontro de diferenças – marca das grandes cidades em sua origem. O desafio dos pensadores e políticos contemporâneos, segundo o brilhante sociólogo Zygmunt Bauman, é recuperar a dimensão comunitária do espaço público, como forma de aprender a arte de uma coexistência segura, pacífica e amigável.

Um dos aspectos que o autor trata, refere-se à insegurança moderna:
Poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos crimes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade humana. Castel atribui a culpa por esse estado de coisas ao individualismo moderno. Segundo ele, a sociedade moderna – substituindo as comunidades solidamente unidas e as corporações (que outrora definiam as regras de proteção e controlavam a aplicação dessas regras) pelo dever individual de cuidar de si próprio e de fazer por si mesmo – foi construída sobre a areia movediça da contingência: a insegurança e a ideia de que o perigo está em toda parte são inerentes a essa sociedade.

Em relação aos medos, Bauman destaca:
Os medos modernos tiveram início com a redução do controle estatal (a chamada desregulamentação) e suas conseqüências individualistas, no momento em que o parentesco entre homem e homem – aparentemente eterno, ou pelo menos presente desde tempo imemoriais –, assim como os vínculos amigáveis estabelecidos dentro de uma comunidade ou de uma corporação, foi fragilizado ou até rompido. O modo como a modernidade sólida administrava o medo tendia a substituir os laços “naturais” – irreparavelmente danificados – por outros laços, artificiais, que assumiam a forma de associações, sindicatos e coletivos part-time (quase permanentes, no entanto, pois consolidados pela rotina diariamente partilhada). A solidariedade sucedeu a irmandade como melhor defesa para um destino cada vez mais incerto.

No que se refere às cidades, o autor aponta que:
As cidades contemporâneas são os campos de batalha nos quais os poderes globais e os sentidos e identidades tenazmente locais se encontram, se confrontam e lutam, tentando chegar a uma solução satisfatória ou pelo menos aceitável para esse conflito: um modo de convivência que – espera-se – possa equivaler a uma paz duradoura, mas que em geral se revela antes um armistício, uma trégua útil para reparar as defesas abatidas e reorganizar as unidades de combate. É esse confronto geral, e não algum fator particular, que aciona e orienta a dinâmica da cidade na modernidade líquida – de todas as cidades, sem sombra de dúvida, embora não de todas elas no mesmo grau.

Zygmunt Bauman (1925-2017) foi o grande pensador da modernidade. Perspicaz analista de temas contemporâneos, deixou vasta obra – com destaque para o best-seller Amor líquido, fundamental para a compreensão das relações afetivas hoje. Sociólogo e filósofo, Bauman soube se comunicar diretamente com seus leitores, levando milhares de pessoas a pensar a sociedade atual através do conceito de liquidez. Bauman foi professor emérito das universidades de Varsóvia e Leeds, conta com cerca de quarenta livros publicados no Brasil, todos pela Zahar, com enorme sucesso de público. Bauman nasceu na Polônia e morreu na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970. Vale ressaltar ainda que seus livros já venderam mais de 800 mil exemplares no Brasil.