Educação contra Barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar

Você professor, educador ou apenas apaixonado por ciência e conhecimento, quer uma overdose ‘inspiracional’ de excelentes textos de pensadores e educadores? Então continue lendo pois você está no lugar certo! Admito que com a correria do dia a dia demorei a ler “Educação contra Barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar”, e olhe que ele já estava na minha lista de próximas leituras. Tal demora foi um erro, mas um erro que corrigi recentemente!

Durante as eleições de 2022, a veia de educador pulsava ainda mais forte quando se via universidades agonizarem por falta de recursos. Cursos à beira de fechamento, apatia docente, alunos preocupados e um público de eleitores divididos. Foi o estopim que me impulsionou a ler esta obra. E que grata surpresa, hein?!

Com sua 1ª edição lançada em 2019, a Boitempo acertou em cheio ao lançar Educação contra Barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. A obra conta com prólogo de Fernando Haddad, texto de capa de Mário Sergio Cortella e ensaios de pensadores como bell hooks, Sônia Guajajara e Daniel Cara. A coletânea é organizada por Fernando Cássio, especialista em políticas públicas de educação, e trata de temas como revisionismo histórico, experiências de educação popular, financiamento do ensino público, dilemas da educação a distância e a tão polêmica ‘ideologia de gênero’.

Ficou curioso, né?! Detalhes do livro aqui.  A TV Boitempo também veiculou um debate bem bacana sobre a obra e que pode ser visto aqui.

A descrição / sinopse encontrada não apenas no site da editora mas também em diversos outros veículos da Internet consegue sintetizar bem o teor da obra. Reproduzo-o a seguir:

Contrapondo-se ao discurso sobre educação pautado apenas por indicadores, rankings e eficiência, a Boitempo lança Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. Fernando Cássio, organizador da obra e especialista em políticas públicas de educação, convidou mais de vinte autores para propor um debate franco e corajoso sobre as principais ameaças à educação pública, gratuita e para todas e todos: o discurso empresarial, focado em atender seus próprios interesses; a perseguição à atividade docente e à auto-organização dos estudantes; e o conservadorismo que ameaça o caráter laico, livre e científico do ambiente escolar.

Neste novo volume da coleção Tinta Vermelha, selo que busca provocar reflexões sobre assuntos atuais, temas como revisionismo histórico, experiências de educação popular, financiamento do ensino público, dilemas da educação a distância e a polêmica ideologia de gênero são abordados com rigor teórico e linguagem acessível. A obra conta com prólogo de Fernando Haddad e quarta capa de Mario Sergio Cortella.

A primeira parte do livro trata dos desafios à condução e à organização do ensino público. Daniel Cara e Ana Paula Corti desenvolvem concisos panoramas sobre as políticas educacionais no Brasil nos últimos anos e a situação do Ensino Médio, respectivamente. Os textos de Carolina Catini e Marina Avelar ampliam o debate sobre a educação como mercadoria e o avanço dos interesses privados sobre o ensino público, enquanto o de Silvio Carneiro volta-se aos reflexos dessa concepção de educação na formação dos alunos, no que ele chama ideologia da aprendizagem. Catarina de Almeida Santos trata de um modelo educacional que, embora apresente aspectos positivos em determinados contextos, tem sido usado para ampliar a mercantilização da educação e precarizar a formação dos estudantes: o ensino a distância. Já os ensaios de José Marcelino de Rezende Pinto e Vera Jacob Chaves discutem, nessa ordem, o financiamento da educação pública e os movimentos de financeirização no ensino superior privado lucrativo.

A segunda parte da obra volta-se às atuais ameaças às práticas docentes e à educação democrática. Isabel Frade e Bianca Correa escrevem sobre as disputas na definição de políticas para a alfabetização e a primeira infância, respectivamente. Matheus Pichonelli aborda a educação domiciliar, prática polêmica defendida pelo atual governo e incluída como meta para os 100 primeiros dias de governo, enquanto Rudá Ricci faz a crítica da militarização das escolas. O debate das religiões de matrizes africanas e indígenas em sala de aula é feito por Denise Botelho, seguido por uma reflexão de Maria Carlotto sobre a guerra do governo federal contra os intelectuais brasileiros e a academia. Alexandre Linares e Eudes Baima abordam o famigerado Escola Sem Partido e a perseguição aos professores ele tenta impor nas escolas, enquanto Rogério Junqueira procura esclarecer o que seria, afinal, a ideologia de gênero . Sérgio Haddad fecha a segunda parte com um texto sobre o educador Paulo Freire, mundialmente reconhecido, mas cada vez mais alvo do discurso reacionário no Brasil.

A terceira e última parte aponta caminhos e desafios para uma educação democrática. Rodrigo Ratier tece um elogio à raiva e à revolta nas escolas, e Pedro Pontual aborda os desafios e as propostas para a educação popular e a participação social. A busca por novos recursos educacionais e o conhecimento como bem comum são os assuntos do ensaio de Bianca Santana, seguido por uma exposição de Sonia Guajajara sobre o modelo da educação indígena como forma de enfrentamento da barbárie. Alessandro Mariano aborda o projeto educativo das escolas do MST, que há três décadas formam pessoas de todas as idades e fomentam inovações pedagógicas. Já o texto da Rede Brasileira de História Pública coloca em pauta os perigos do revisionismo histórico. Aniely Silva escreve a respeito de sua experiência como participante das ocupações estudantis das escolas paulistas em 2016, assunto retomado e ampliado no texto da Rede Escola Pública e Universidade. Conclui o livro uma tradução inédita de um artigo sobre educação democrática escrito pela educadora e ativista estadunidense bell hooks.

Cortella em uma das orelhas do livro ressalta:

Paulo Freire, na última obra publicada em vida, Pedagogia da autonomia , resumiu assim seu principal porquê existencial: “Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda”. Cá entre nós, agora, ele não tardaria em acrescentar: Sou professor contra a barbárie! A barbárie pedagocida que quer dissimular sua natureza destrutiva em um invólucro que proclama uma nebulosa intenção libertadora; a barbárie que recorre de modo disfarçado ao viés técnico como se este fosse suficiente ou exclusivo para dar vigor à educação com qualidade social; a barbárie que procura estrangular as divergências e contraposições inerentes ao território democrático sob o argumento de ser preciso um movimento purificador e persecutório para garantir a própria democracia e a educação relevante; a barbárie que, despudorada e muitas vezes liberticida, acolhe a brutalidade na convivência e a perversidade de uma retórica furiosa, que, na ausência de argumentos consistentes, orquestra a atemorização. Por isso, neste livro, um persistente coletivo de pessoas também persistentes, com ciência e reflexão densa, oferece fundamentos para quem desejar, decentemente, praticar a recusa à barbárie e cuidar para que, de fato, tenhamos escolas democráticas e liberdade para ensinar.

Confesso que só este fragmento já é mais que suficiente para mexer com meu âmago de educador e me impulsionar na direção da obra. De fato, foi um dos motivos.

Então, se isso não foi suficientemente forte pra te “tirar do prumo”, basta dar uma passada de olho nos trechos a seguir correr para a obra integral. Tenho certeza que o sangue de educador que corre em suas veias correrá de forma mais revigorante!

No Brasil de hoje, as ameaças à educação não cansam de confirmar a hipótese adorniana de que é possível estar atrasado “de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização” [2] . Se, como afirma o filósofo, os impulsos destrutivos são inerentes à própria civilização, precisamos nos convencer de que as lutas educacionais não podem cessar. As ameaças à educação brasileira exigem a nossa energia para pautar um debate público que, infelizmente, tem se mostrado quase sempre superficial e perigosamente homogêneo, dominado pelos discursos eficientistas do empresariado e de suas assessorias educacionais. A luta por escolas públicas democráticas, inclusivas, laicas e com liberdade de ensinar depende de nossa disposição para defender projetos educacionais radicalmente democráticos ante o que hoje, na educação brasileira, ganha evidentes contornos de barbárie. É preciso desbarbarizar a educação. – Fernando Cássio

A educação se concretiza por meio de processos educativos, sistematizados ou não, que se dão nos diferentes espaços da vida cotidiana. A escola é a instituição criada com o objetivo de socializar saberes e conhecimentos historicamente acumulados, mas também de construir outros. Assim, ela tem o papel de criar as condições para os(as) estudantes se apropriarem da cultura, até mesmo reinventando-a. Nesse sentido, o aprendizado é a apropriação individual da cultura ensinada, ao passo que o ensino é o trabalho das educadoras e dos educadores para facilitar a aprendizagem dos(as) estudantes. Precisamente, portanto, nas escolas se realiza o processo de ensino aprendizagem. – Daniel Cara

A educação deve ser uma prática subversiva, pois este é o único modo de negar os pressupostos objetivos da barbárie. Para tanto, ela deve estar atenta aos conteúdos, mas também à forma social que assume e, sobretudo, deve manter-se vigilante frente ao perigo de “entregar-se às classes dominantes, como seu instrumento”, já que o modo de educar capitalista tende a se impor sobre tudo e sobre todos, indiferente às boas intenções. – Carolina Catini

Com a “ideologia da aprendizagem”, perde-se um caráter importante da vida escolar, contido na polaridade do “ensino”, fundamental para que a educação seja educação e, por consequência, para que a escola seja escola. Pois, com a aprendizagem, reforçam-se as metas e o desempenho dirigidos diretamente ao indivíduo em processo de aprender. O ensino, por sua vez, carrega consigo o “signo” (in-signare ), a “designação”. Movimento complementar àquele que “aprende” algo, o ensino propicia a possibilidade de marcar no mundo aquilo que passaria por estranho e atentar sobre isso. Fundamental para as bases da educação, a alteridade radical passa a ser atravessada por seus signos, cabendo ao professor dispor tais marcas para que seus estudantes produzam as significações. Isolada do ensino, a gramática da aprendizagem vira mera reprodução de conteúdos, pois o signo ensinado não é um conteúdo a ser transmitido e avaliado no cardápio curricular. O signo é a palavra que atravessa as experiências, multiplicado em singularidades docentes e estudantis e que se compartilha mesmo nos conflitos produtivos entre gerações, gêneros, etnias ou classes. A aprendizagem isolada se mostra insuficiente, e até mesmo avessa, a uma educação de fato. Reduzida à dimensão do aprender, a educação deixa de ser abertura e passa a ser a repetição dos roteiros avaliados – nada mais contrário ao educar. Na alteridade radical que atravessa a educação, o signo ensinado & aprendido traz vida aos processos. Vivendo & aprendendo. – Silvio Carneiro

Professores que têm uma visão de educação democrática admitem que o aprendizado nunca está confinado a uma sala de aula institucionalizada. Em vez de reforçar a falsa presunção convencional de que o ambiente da universidade não é o “mundo real” e ensinar de acordo com isso, o educador democrático rompe com a falsa construção da universidade corporativa como separada da vida real e sempre procura visualizar a formação como uma parte de nossa experiência do mundo real e da nossa vida real. Adotando o conceito de educação democrática, vemos ensino e aprendizado ocorrendo constantemente. Compartilhamos o conhecimento recolhido nas salas de aula fora desses espaços, trabalhando assim para questionar a construção de que certas formas de conhecimento estão sempre, e apenas, disponíveis à elite. – bell hooks

O organizador da obra, Fernando Cássio, é doutor em ciências pela USP, é professor da Universidade Federal do ABC e tem estudado desigualdades educacionais, processos de financeirização na educação básica e participação política na educação. Faz parte do grupo de pesquisa Direito à Educação, Políticas Educacionais e Escola (DiEPEE/UFABC). Participa da Rede Escola Pública e Universidade e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.