Felicidade: Modos de usar

O que dizer de Karnal, Pondé e Cortella? Tecer elogios seria chover no molhado. Juntos ou separados, eles conseguem levar conhecimento, seja por meio da filosofia ou pela história, a uma camada da população que sequer se preocuparia com tais assuntos. Talvez pela forma como é feito, o discurso destes três autores lota auditórios, palestras e apresentações das mais diversas. Em obras como “Felicidade: Modos de usar”, lançada em 2019 pela Editora Planeta, a riqueza de detalhes e a sabedoria deles é apresentada como normalmente já ocorre: de maneira simples, clara, objetiva e bastante direcionada ao público mais jovem. E pra fechar com uma participação mais que especial, lá está Clóvis de Barros Filho! Certamente esta obra reúne os quatro maiores pensadores pop do Brasil dos últimos tempos (se formos considerar vendas, participações no mercado editorial, palestras e redes sociais), pelo menos no que se refere à filosofia e história.

A sinopse oficial já apresenta o que está por vir:

Um bate-papo entre três pensadores pop sobre um assunto que interessa a todo mundo: como ser feliz O livro é resultado do debate entre Cortella, Karnal e Pondé em comemoração aos 15 anos da Editora Planeta no Brasil, realizado em maio de 2018. Durante uma hora e meia, os três discutiram o que é felicidade, o que ela significa, que caminhos podem nos levar a sermos pessoas mais felizes. Como sempre fazem, citaram outros filósofos e pensadores, deram exemplos pessoais e terminaram mostrando que ser feliz é possível – não o tempo todo, mas é possível para todos.

Com prefácio de Clóvis de Barros Filho, a obra encanta por ser literalmente um bate papo, na maneira mais simples de explicar. Sim, a transcrição de um bate papo. Parece chato, né?! Não se engane!

Pra entender o peso da obra (mesmo sendo ela tão curtinha, de poucas páginas), confira um trecho já de entrada, preferido por Cortella:

O tema da felicidade não pode ser banalizado, olhado de uma maneira menos densa, porque ele, em última instância, é aquilo que de maneira geral, quase sempre, nós dizemos que queremos ter, queremos encontrar. Portanto, temos a felicidade como nosso horizonte. Um dos maiores poetas de língua inglesa da história, Alexander Pope, nasceu no dia 21 de maio de 1688. Um homem que é conhecido não só pela sua produção literária, mas especialmente porque fez a mais famosa tradução para o inglês da Ilíada e da Odisseia. Há trezentos e trinta anos, ao aparecer, Pope permitiu que nós fôssemos capazes de um nível mais denso de felicidade. Não porque produziu poemas estupendos – o que ele fez –, mas porque trouxe para o mundo mais moderno o que um dia sonharam os gregos antigos na sua história, na sua tradição. Pope era extremamente satírico, o que tem muito a ver com a reflexão que faremos neste livro e também com aquilo que gostamos de escrever – seja nos livros que cada um de nós publica individualmente, seja naqueles que já fizemos juntos. Há algo a ser meditado, especialmente quando se fala sobre felicidade. E de Pope eu gosto demais de uma frase. Disse ele: “Algumas pessoas nunca saberão tudo, porque entendem tudo muito depressa”. Isso me lembra aquilo que um dia Guimarães Rosa produziu ao dizer: “Não convém fazer escândalo de começo, só aos poucos é que o escuro é claro”. Isso é um sinal de inteligência imensa de alguém que conseguiu observar a vida e olhar um pouco o que significa existir. Não convém fazer escândalo de começo, só aos poucos o escuro é claro…

Pondé brilhante mente esclarece o seu ponto de vista em relação à felicidade:

É impossível ser feliz se você não experimentar a misericórdia, se você não experimentar a possibilidade de perdoar pessoas, e se você não experimentar a possibilidade de ser perdoado por pessoas. Portanto, a felicidade não é possível se você não tiver consciência de que tem culpa de muita coisa e de que faz muita coisa errada. Não haveria a possibilidade de experimentar a felicidade fora da autenticidade. Quando eu olho o meu percurso até aqui, ele parece reforçar essa ideia. Portanto, nesse sentido, a felicidade para mim está intimamente associada a você poder viver paixões, logo, ela está ligada à coragem. Talvez duas coisas que se excluam de forma fundamental sejam covardia e felicidade. Eu diria, por fim, que acredito que uma das virtudes mais necessárias para a felicidade é a coragem.

Karnal igualmente aponta seu olhar sobre o tema:

Não é necessário ter muitos amigos, mas, a partir da experiência da morte, valorizar aqueles poucos amigos como momentos únicos e felizes. Não tenho que procurar atingir uma indiferença estoica, mas a tranquilidade de não deixar que a minha felicidade dependa da opinião alheia, e sim apenas do meu exame diário de consciência. É algo que herdei da Companhia de Jesus e nunca abandonei: olhar no espelho e dizer: “Tá aí, tá dando. Tá envelhecendo, mas vai, ainda aproveita”. Aproveita esse momento final, tenta alguma dignidade, tenta controlar a alimentação, mas daqui para a cova é um caminho reto. A felicidade não pode depender do número de estrelas que um crítico dá ao seu livro, ou do número de obras vendidas. Ela tem que ser muito mais do que isso, senão, como diz Marco Aurélio, “a felicidade é do outro, e não minha”.

Como relatei anteriormente, mesmo curta, é uma obra que merece ser lida. Não pelos autores responsáveis pela sua construção, mas pela mudança que ela pode proporcionar ao leitor.

Mario Sergio Cortella é filósofo, escritor, com mestrado e doutorado em educação e professor titular da PUC-SP, com docência e pesquisa na pós-graduação em Educação. É professor-convidado da Fundação Dom Cabral. Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991-1992), tendo sido antes Assessor Especial e Chefe de Gabinete do prof. Paulo Freire. Comentarista da Rádio CBN nos programas Academia CBN e Escola da Vida. Possui mais de 30 livros publicados.

Leandro Karnal é historiador, professor, escritor, palestrante, youtuber e apresentador de TV. Doutor em História Cultural pela Universidade de São Paulo, autor best-seller dos livros Crer ou não crer e O dilema do porco espinho, ambos publicados pela Editora Planeta. É apresentador do programa CNN Brasil Tonight, colunista no jornal O Estado de S. Paulo e Zero Hora (RS). Tornou-se um grande influenciador digital, com mais de 3,6 milhões de seguidores no Instagram e quase 1 milhão de inscritos no YouTube (Prazer, Karnal). É um dos mais requisitados palestrantes do país, além de recentemente ter sido eleito para a Academia Paulista de Letras.

Luiz Felipe Pondé é filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv (Israel). Autor de vários livros, ele é professor da FAAP e da PUC-SP, colunista da Folha de São Paulo e comentarista da TV Cultura. Publicou pela editora Planeta o best-seller Filosofia para corajosos.