“Filosofia do Cotidiano – Um Pequeno Tratado Sobre Questões Menores”, escrito pelo filósofo e professor Luiz Felipe Pondé, apresenta diversas reflexões sobre filosofia nos pequenos atos e momentos da existência cotidiana, assuntos por vezes banais a uma boa parcela de nós, e justamente visando atingir um público mais amplo, não traz grandes aprofundamentos. Mas não se engane, a superficialidade da obra não a torna menos interessante.
Lançado em 2019 pela Editora Contexto, o objetivo da obra é certamente instigar o leitor a pensar por si, fazendo seus próprios julgamentos e aprofundamentos. Pondé, com o seu bom humor e uma alta carga de sinceridade, deixa evidente o seu descompromisso de induzir o leitor a agir de um certo modo para ser feliz, bem como a sua repulsa pelo termo autoajuda. Como em outras de suas obras, Pondé nos dá um tapa na cara, nos chamando para a realidade, mostrando-a como ela de fato é, para que despertemos. E para isso, o autor não usa belas palavras, muito menos um discurso bonitinho, embalado para presente.
Pondé faz duras críticas quanto ao “marketing pessoal”, a figura masculina pregada pela sociedade (assim como o feminismo), o papel da família, a busca pela felicidade e pelo amor, as angústias humanas e tantos outros assuntos de suma importância e que são recorrentes em obras do gênero.
Para os que ainda não o conhecem, Luiz Felipe Pondé, nasceu no Recife, em 1959, é filósofo, professor da PUC-SP e da FAAP. É mestre em filosofia pela Universidade Paris VIII, doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv. É colunida da Folha de São Paulo e já escreveu inúmeros livros na área de filosofia.
A seguir destaco alguns trechos interessantes da obra:
“Filosofar nunca foi sobre deixar você feliz. É que andam mentindo muito por aí. Filosofar está mais ligado ao despertar do sonambulismo. Essa é minha proposta nesta conversa com você.”
“Afinal de contas, por que acordar? O sentimento de rotina vem à sua mente assim que aquela fronteira entre o sono e a vigília se torna mais clara. Em meio às memórias da noite e do dia anteriores, sua alma (seria ela imortal ou apenas um emaranhado de substâncias químicas?) busca a segurança do dia amanhecido. A luz sempre traz repouso para quem sofre de alguma forma de medo.”
“Quem tem medo de sofrer é incapaz de desejar.”
“A obsessão pela felicidade faz de você um chato. Como escapar dessa armadilha? Escolher o fracasso? Não precisa, ele te achará. Viver sem fórmulas é o desafio”.
“Todos buscam o desapego hoje em dia. As redes sociais estão cheias de frases feitas sobre desapago. Desapego combate o colesterol, ajuda a emagrecer, eleva o espírito – ainda que você pague em 10x no cartão a viagem para o lugar em que você desapegará. Em se tratando das redes sociais, não há lugar pior para se buscar o desapego: as redes são o espaço por excelência do apego compulsivo presente na economia dos likes. O tema do desapego é, sim, um clássico na filosofia e na espiritualidade. E, sim, é uma coisa séria. E sim, faz bem ao cotidiano de uma pessoa buscar formas de desapego. A questão é: desapegar do que e como?”
“Uma certa dose de banalidade na vida é indício de alguma saúde mental, só gente doente e chata quer ser absolutamente relevante em tudo que faz.”
“O cotidiano nem sempre é tomado apenas por questões profundas. E nem só delas vive o homem, mas também de banalidades. Muitas vezes, ele é tomado por questões ‘menores’, e é a elas que nos dedicaremos aqui. O cotidiano tenderá a ser mais pobre no futuro. Mais entediante e previsível.”
“Vivemos num momento de ativa participação do debate político via mídias sociais. Elas são como assembleias em rede, e toda assembleia é pobre em repertório e vocabulário. Quem já esteve numa sabe. A participação política em mídias sociais intensifica a polarização dos ódios, mas não garante a participação institucional. Pelo contrário, as redes tendem a desqualificar a democracia representativa, privilegiando o populismo. Mas, independentemente das mídias sociais, a participação qualificada na política não parece ser o cotidiano verdadeiro dos eleitores. As pessoas gostam de passar a imagem que estão inseridas na política, mas as pesquisas empíricas parecem apontar para outro quadro.”