Não espere pelo epitáfio!

“Não espere pelo epitáfio! Provocações Filosóficas” é, como outros livros de Mario Sergio Cortella, gostoso de ser lido, e sem muito compromisso ou profundidade filosófica, até mesmo porque esse não é o objetivo do livro. Vale ressaltar que esta “pegada” já é uma marca do autor que, tem como principais leitores, uma massa de jovens e adultos que não tem uma vivência tão aprofundada no campo da filosofia. Assim, não espere uma obra com alto teor filosófico ou mesmo que se aprofunda em temas complexos. Por outro lado, o livro vem repleto de crônicas que retratam situações cotidianas, mas sempre sob um ponto de vista filosófico e de fácil compreensão, sempre didático como só o Cortella sabe o ser. Por ser um livro relativamente curto, é possível lê-lo com poucas horas, como o fiz.

Apesar do livro apresentar provocações filosóficas sobre a filosofia, tempo, sentimentos como amor e dor, sobre a vida e tantos outros temas, faz-se necessário chamar a atenção para o titulo do livro. Epitáfio significa “sobre o túmulo”, e vem do grego epitáfios. Este termo refere-se à aquelas frases e dizeres que são escritas, quase sempre em placas de mármore ou metal e que são colocadas sobre o túmulo ou mesmo em mausoléus, nos cemitérios, e tem por objetivo homenagear seus mortos sepultados naquele local. Tais placas são as chamadas lápides.

Voltando ao livro, ele composto por pensatas filosóficas, o livro provoca a curiosidade e explica questionamentos comuns ao humano contemporâneo, recontando algumas histórias do mundo, sob o olhar filosófico de Cortella. São textos atuais, escritos ao longo de uma década e que mesclam os titãs da mitologia grega e o grupo de rock homônimo, visando alertar aos leitores para que não se arrependam do que não se fez. Lança mão dos versos de Catulo da Paixão Cearense enquanto evoca o escritor francês Emile Zola, para desobstrair “O Belo”. Também passeia por Goethe, Marie Von Ebner-Eschenbac, Carlos Drummond, Maurício Tapajós, Renoir, a fim de tecer suas reflexões sem cerimônia, sem pré-conceito.

Alguns trechos interessantes da obra:

Para além da mitologia grega, não é por acaso que outros Titãs têm sido tão festejados quando cantam de forma deliciosa e perturbadora (e muitos com eles): “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer; devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer.”

O critério com o qual costumamos atribuir valor ao objeto ou serviço que será adquirido ou apreciado está apoiado especialmente na observação do tempo consumido para realizá-lo ou na suposta dificuldade momentânea de elaboração; no entanto, para escapar de uma postura superficial é necessário lançar mão de um outro critério: a percepção do peso da raridade, do insólito, do invulgar ou, tal como se fala cada vez mais, da expertise e perícia de alguém em alguma atividade.

A palavra comemorar remete quase sempre ao verbo festejar; entretanto, comemorar significa memorar com outros, ou, em outras palavras, lembrar junto, o que não implica em ser, com exclusividade, uma recordação festiva. Pode-se comemorar uma tragédia, uma morte, uma situação traumática; uma missa de “sétimo dia”, uma visita anual aos escombros restantes de uma cidade bombardeada, uma cerimônia de colocação de flores no “túmulo do soldado desconhecido”, são formas de comemoração tanto quanto um brinde ao aniversário de alguém, uma solenidade em homenagem ao centenário de um poeta, a folia para alegrar-se com um título conquistado etc.

É fundamental para a trajetória humana que possamos lamentar a fragmentação da fraternidade e a vitória circunstancial do pavor. A sensação de um medo continuado e inesperado que invade muitos homens e mulheres pelo planeta afora literalmente aterroriza as suas existências e bloqueia a possibilidade de partilharem momentos de paz. A condição imposta pelo terror, seja ele em qual formato vier, é assemelhada a uma descrição feita por vários portadores de “síndrome de pânico”, angustiante patologia muito presente em nossos tempos; alguns de seus sofredores sentem uma ansiedade mais premente por imaginar e saber que o desatar da crise é como um raio à espreita, sem aviso ou prontidão, o que os deixa permanentemente em estado de tensão. Aliás, já se disse que a impressão oriunda da espera — tal como no despontar do terror — equivale à certeza de que, todos os dias, a qualquer instante desconhecido, o raio virá, não se sabe de onde e nem por que, mas virá. Terror é isso: sequestrar a vivência da tranquilidade e da segurança coletivas.

Falamos muito — e isso é importante para afastar a síndrome do ocupacionismo desenfreado — em valorizar o “ócio criativo”; porém, cautela nessa empreita, pois corre-se o risco de querer tornar continuamente produtivo (na acepção utilitarista do termo) aquele tempo livre que tanto reivindicamos. O refocilar deve somar-se ao morgar e disso tudo tem de trazer à tona a possibilidade de viver um fundamental “ócio recreativo”.

Não é raro que pessoas, ao falarem de si mesmas, proclamem como a sua principal virtude a coerência, ou seja, a determinação de não ter uma vida com duplicidades, pensando uma coisa e fazendo outra. Claro que, para indicar modéstia, o auto-elogio vem acompanhado da frase “mas sou alguém cheio de defeitos; por exemplo, sou muito perfeccionista”. O “perfeccionismo” parece ser o defeito predileto dos que se consideram sem defeitos; é difícil que alguém se declare dissimulado, fingido ou incongruente e, por isso, o “querer tudo certinho” é a grande e positiva distinção entre os mortais que padecem de alguma debilidade de caráter.

Mario Sergio Cortella nasceu em Londrina/PR em 5 de março de 1954. Cortella é filósofo, escritor, educador, palestrante, doutor em educação e professor universitário brasileiro. É autor de vários livros, relacionados com filosofia, em que analisa a vida profissional na contemporaneidade. Cortella é considerado por muitos como um dos maiores pensadores brasileiros da atualidade. Reconhecido por sua habilidade de traduzir complexas ideias filosóficas em exemplos simples, Cortella é constantemente chamado a mídia para dialogar sobre diversos assuntos, principalmente sobre filosofia e educação.