O que é Sociologia

De uma forma bastante didática, o sociólogo brasileiro Carlos Benedito Martins consegue em seu livro “O que é Sociologia” exprimir todas as principais linhas fundamentais de pensamento que circundam a sociologia e os seus estudos. Lançado pela Editora Brasiliense, originalmente em 1982, a obra faz parte da Coleção Primeiros Passos.

Em uma das sinopses disponíveis, encontra-se:

Para alguns ela representa uma poderosa arma a serviço dos interesses dominantes; para outros é a expressão teórica dos movimentos revolucionários. Como compreender as diferentes avaliações que a sociologia recebe? Debatendo a dimensão política dessa ciência o autor reflete em que medida as teorias sociológicas contribuem para manter ou alterar as relações de poder da sociedade.

Tais questionamentos tem movido inúmeras pesquisas ao longo das décadas sobre esta notável ciência.

O autor destaca que o livro segue a partir do princípio de que a sociologia acaba por ser o resultado de uma tentativa de compreensão de situações sociais radicalmente novas, e que foram criadas pela então nascente sociedade capitalista. Os caminhos percorridos e a proposta apresentada por esta ciência têm sido a de manter uma constante tentativa de dialogar com a civilização capitalista, nas suas diferentes fases. A sociologia, como ciência, desde o princípio, sempre foi algo mais do que uma mera tentativa de reflexão sobre a sociedade moderna. Suas explicações sempre contiveram intenções práticas, um forte desejo de interferir no objetivo e foco da civilização como a conhecemos. Se o pensamento científico sempre guarda uma correspondência com a vida social, na sociologia esta influência é particularmente marcante. Os interesses econômicos e políticos dos grupos e das classes sociais, que na sociedade capitalista apresentam-se de forma divergente, influenciam profundamente a elaboração do pensamento sociológico, alerta o autor que também destaca:

A sociologia constitui um projeto intelectual tenso e contraditório. Para alguns ela representa uma poderosa arma a serviço dos interesses dominantes, para outros ela é a expressão teórica dos movimentos revolucionários. A sua posição é notavelmente contraditória. De um lado, foi proscrita de inúmeros centros de ensino. Foi fustigada, em passado recente, nas universidades brasileiras, congelada pelos governos militares argentino, chileno e outros do gênero. Em 1968, os coronéis gregos acusavam-na de ser disfarce do marxismo e teoria da revolução. Enquanto isso, os estudantes de Paris escreviam nos muros da Sorbone que “não teríamos mais problemas quando o último sociólogo fosse estrangulado com as tripas do último burocrata”.

Martins também destaca afirma que:

Como compreender as avaliações tão diferentes dirigidas com relação a esta ciência? Para esclarecer esta questão, torna-se necessário conhecer, ainda que de forma bastante geral e com algumas omissões, um pouco de sua história. Isto me leva a situar a sociologia – este conjunto de conceitos, de técnicas e de métodos de investigação produzidos para explicar a vida social – no contexto histórico que possibilitou o seu surgimento, formação e desenvolvimento.

Nesta obra, o autor busca apresentar, em termos de debate, a dimensão política da sociologia, a natureza e as conseqüências de seu envolvimento nos embates entre os grupos e as classes sociais e refletir em que medida os conceitos e as teorias produzidos pelos sociólogos contribuem para manter ou alterar as relações de poder existentes na sociedade.

Alguns trechos que merecem destaque:

Um dos fatos de maior importância relacionados com a revolução industrial é sem dúvida o aparecimento do proletariado e o papel histórico que ele desempenharia na sociedade capitalista. Os efeitos catastróficos que esta revolução acarretava para a classe trabalhadora levaram-na a negar suas condições de vida. As manifestações de revolta dos trabalhadores atravessaram diversas fases, como a destruição das máquinas, atos de sabotagem e explosão de algumas oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações livres, formação de sindicatos etc. A conseqüência desta crescente organização foi a de que os “pobres” deixaram de se confrontar com os “ricos”; mas uma classe específica, a classe operária, com consciência de seus interesses, começava a organizar-se para enfrentar os proprietários dos instrumentos de trabalho. Nesta trajetória, iam produzindo seus jornais, sua própria literatura, procedendo a uma crítica da sociedade capitalista e inclinando-se para o socialismo como alternativa de mudança.

A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às novas situações colocadas pela revolução industrial. Boa parte de seus temas de análise e de reflexão foi retirada das novas situações, como, por exemplo, a situação da classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as transformações tecnológicas, a organização do trabalho na fábrica etc. É a formação de uma estrutura social muito específica – a sociedade capitalista – que impulsiona uma reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises, seus antagonismos de classe. Não é por mero acaso que a sociologia, enquanto instrumento de análise, inexistia nas relativamente estáveis sociedades pré-capitalistas, uma vez que o ritmo e o nível das mudanças que aí se verificavam não chegavam a colocar a sociedade como “um problema” a ser investigado.

O surgimento da sociologia, como se pode perceber, prende-se em parte aos abalos provocados pela revolução industrial, pelas novas condições de existência por ela criadas. Mas uma outra circunstância concorreria também para a sua formação. Trata-se das modificações que vinham ocorrendo nas formas de pensamento. As transformações econômicas, que se achavam em curso no ocidente europeu desde o século XVI, não poderiam deixar de provocar modificações na forma de conhecera natureza e a cultura.

A falta de um entendimento comum por parte dos sociólogos sobre a sua ciência possui, em boa medida, uma relação com a formação de uma sociedade dividida pelos antagonismos de classe. A existência de interesses opostos na sociedade capitalista penetrou e invadiu a formação da sociologia. As alternativas históricas existentes nessa sociedade, seja a de sua conservação ou de sua transformação radical, eram situações reais com que se deparavam os pioneiros da sociologia. Este contexto histórico influenciou enormemente suas visões a respeito de como deveria ser analisada a sociedade, refletindo-se também no conteúdo político de seus trabalhos. Tal situação, evidentemente, continua afetando os trabalhos dos sociólogos contemporâneos.

Mesmo sendo uma curta obra sobre um tema tão vasto, é bastante esclarecedora e serve de pontapé inicial a aqueles que desejam adentrar no mundo da sociologia.

Em 8 de abril de 2015, Carlos Benedito Martins concedeu uma entrevista ao projeto Memória das Ciências Sociais no Brasil, ação promovida pela FGV. A entrevista pode ser conferida aqui.

Carlos Benedito Martins é sociólogo, graduado e mestre em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo, onde exerceu durante vários anos atividade docente. Foi coordenador do Departamento de Sociologia daquela Universidade no período de 1977 a 1981. É doutor em Sociologia pela Universidade de Paris, onde apresentou a tese “Le Nouvel Enseignement Supérieur Privé au Brésil (1964-1983): rencontre dune demande sociale et dune opportunité pofttique”. É autor do livro Ensino Pago: um retrato sem retoque, publicado pela Global Editora. Organizou Ensino Superior Brasileiro: transformações e perspectivas atuais, publicado pela Brasiliense. Atualmente exerce funções de docência e de pesquisa no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília – UnB), atuando nas áreas de Teoria Sociológica e Sociologia da Educação. É também pesquisador do CNPq.