Pensar Bem Nos Faz Bem! Vol. 3

A simplicidade e ao mesmo tempo a profundidade utilizada na forma de escrever de Mario Sergio Cortella é certamente digna de nota. Ele consegue, como ninguém, agregar não apenas novos conhecimentos, mas também clarificar outros enquanto desmistifica conceitos e palavras. É comum vê-lo desmontando palavras para explicar o seu significado, a sua origem. Certamente esta é uma das características mais marcantes de seus trabalhos.

Lançado em 2015 pela Vozes, o livro “Pensar Bem Nos Faz Bem! Vol. 3”, é parte integrante de uma série composta por quatro livros. Este terceiro volume aborda fé, sabedoria, conhecimento e formação, temas discutidos aos quatro cantos e tão relevantes em nossa sociedade.

Os textos do livro foram compilados e adaptados a partir dos comentários do autor na coluna Academia CBN, apresentados em rede nacional, de segunda a sexta-feira, às 6h32, de julho de 2013 a maio de 2014. As reflexões não seguem necessariamente a ordem em que foram ao ar pela Rádio CBN e, embora organizadas pelos temas Fé, Sabedoria, Conhecimento e Formação (neste volume), não foram agrupadas em bloco em torno de cada um destes, de modo a preservar essa característica que a coluna tem no cotidiano.

Alguns trechos interessantes da obra:

A História pode servir como mestra, como professora daquilo que temos de aprender. A História não serve apenas para fazermos um relato do que já se foi. Olhar o passado de uma nação, de uma parte da nossa Humanidade, nos dá identidade e também nos proporciona uma série de ensinamentos a partir daqueles acontecimentos. No nosso país, especialmente, olhar essa História nos possibilita aprender várias coisas. Aquilo que precisa ser olhado para evitar que aconteça de novo e, acima de tudo, nos orienta, nos norteia. Porque a palavra “orientar”, quando se fala em História, se refere ao outro lado do nosso planeta, o oriental; enquanto “nortear” se refere à parte de cima do planeta. Então, na História, orientar, desorientar, nortear, desnortear são coisas que a Humanidade já vivenciou.

No Brasil, a Constituição Federal, em vigor desde 1988, prevê que o ensino público tenha no horário regular das aulas uma disciplina chamada Ensino Religioso. Essa disciplina é obrigatória para a escola, mas é optativa para o aluno. Esse é um ponto controverso, porque há países em que os professores de Ensino Religioso são remunerados pelo Poder Público, como é o caso no Brasil. Há países em que o ensino religioso é confessional, isto é, de uma religião que a família da criança escolhe para ter como ensino dentro da escola. Há outros lugares em que não é permitido que haja o ensino confessional. No Brasil, ele é vedado pela nossa própria legislação. Há ainda outros países em que não existe essa disciplina no dia a dia escolar. A religião não é obrigatória, mas ela tem uma presença forte dentro de todas as sociedades.

Nós somos um animal que tem a capacidade de inventar, de trazer o inédito. Inventar ferramentas, meios, isto é, não vivemos apenas e tão somente com o que a natureza nos proveu. Nós não somos mera biologia que nosso corpo já recebe, de pronto, como alguns outros animais. Nós fazemos a extensão do nosso corpo. As ferramentas são a extensão da força da nossa mão, um martelo, um machado. O uso dos óculos, que aumentam a nossa visão. Tudo aquilo que os gregos chamavam de organon, que gerou a expressão “órgão”. Nós estendemos os nossos órgãos por intermédio daquilo que é artificial, que é fruto da nossa arte, por isso, artifício, artesão. Somos, também, artesãos e artesãs de nós mesmos.

Picasso defendia com veemência a percepção da simplicidade, inclusive, nas estruturas geométricas, nas suas grandes produções nas artes plásticas. É curioso porque, embora tivesse a pintura como seu veículo para a simplicidade, ele tinha um nome nada simples: Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remédios Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso. Ao adotar Pablo Picasso, ele clarificou a ideia de simplicidade. Picasso dizia algo muito inteligente: “Gostaria de viver como um pobre com um monte de dinheiro”. Viver como um pobre, isto é, com uma vida mais simples, mas que ele não tivesse a miséria, não tivesse carência insolúvel.

Erudito é aquilo que não tem aresta, que não tem rudeza. Uma coisa erudita é aquela em que conseguimos dar um polimento e, portanto, tirar qualquer rugosidade, qualquer tipo de saliência. Muita gente não imagina que a palavra “erudição” tenha esse sentido, mas uma pessoa erudita é uma pessoa que, na origem, seria polida, da qual se tirou a rudeza. É claro que uma pessoa polida é também entendida como educada, escolarizada ou formada por muita literatura. A erudição, no entanto, carrega um risco, que é a pessoa ficar pedante. Há muita gente erudita marcada pela simplicidade, pela capacidade de comunicação e repartimento, mas também há muita gente que, pela erudição, acaba ficando de nariz empinado e constrói uma trajetória orientada pelo pedantismo.

A ansiedade, especialmente nos tempos atuais, é passível de tratamento. Há uma ansiedade que leva à obsessão, em alguns momentos ao desespero, a ansiedade como sendo aquele estado de prontidão e preparação que leva, inclusive, a alterações no metabolismo, a pessoa fica mais ofegante, o coração bate mais aceleradamente. Mas há uma ansiedade fértil, aquela que nos leva a ficar mais atentos e em estado de prontidão, predispostos à criação de algo.

Uma das grandes capacidades humanas é a de memorizar. Ela não é a principal habilidade da inteligência, afinal de contas, até algumas máquinas são capazes de ter simulação de memória, mas, ainda assim, a memória nos auxilia imensamente a existir. Cada um de nós tem na memória modos de não cometer mais equívocos, de encontrar aquilo de que se precisa, mas há, sim, uma importância no esquecimento. Se a nossa memória nos fosse contínua, isto é, se nós tivéssemos de suportar tudo o que vivemos, todas as situações que percorremos, todas as experiências, inclusive as que nos são dolorosas, tristes, isso nos seria insuportável.

Mario Sergio Cortella nasceu em Londrina/PR em 5 de março de 1954. É filósofo, escritor, educador, palestrante, doutor em educação e professor universitário brasileiro. É autor de vários livros, relacionados com filosofia, em que analisa a vida profissional na contemporaneidade. Cortella é considerado por muitos como um dos maiores pensadores brasileiros da atualidade. Reconhecido por sua habilidade de traduzir complexas ideias filosóficas em exemplos simples, Cortella é constantemente chamado a mídia para dialogar sobre diversos assuntos, principalmente sobre filosofia e educação. Professor convidado da Fundação Dom Cabral (desde 1997) e do GVpec da FGV-SP (entre 1997 e 2009), foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991-1992). É comentarista e colunista em programas de rádio e televisão, além de ter presença constante nas mídias digitais, e também autor, até 2020, de 45 livros publicados no Brasil e exterior.