Repensar a Educação

“Repensar a Educação” de Inger Enkvist não é um livro fácil de ler, se levarmos em conta o que conhecemos de educação, seja a brasileira ou de outros países. Falo isso com um certo pesar pois, em diversos aspectos a autora, acerta enquanto em outros, erra. Acerta por colocar o dedo em diversas feridas abertas principalmente em nosso país no tocando das escolas, mas erra ao ser generalista em muitos momentos, além de deixar evidente um aspecto de colocar tudo num mesmo balaio. Sabemos que, quando lidamos com educação principalmente de crianças e jovens, não basta colocar todos num mesmo balaio e esperar que se comportem de forma homogênea. O livro foi lançado no Brasil em 2014 pela Bunker Editorial.

Em todo o caso, a autora que já escreveu mais de 250 artigos sobre educação, analisa outros aspectos importantes nesta importante área, como, por exemplo, por que o homem necessita da educação, como esta necessidade se desviou durante a metade do último século, e o que deveria ser feito para que isso volte a ser visto de forma positiva. A autora afirma que, nas últimas décadas, a política e a ideologia conquistaram a escola através de uma série de teorias que não tem como finalidade a aquisição do conhecimento, apenas a transformação da sociedade. A autora sugere ainda que, o que é chamado de crise da educação é, na verdade, a consequência lógica de impedir que a escola desempenhe sua função de instituição de ensino, e de dar a ela uma série de tarefas além das de sua natureza.

Assim, Inger Enkvist chama a atenção de pais de alunos, professores, políticos, jornalistas e do mundo acadêmico acerca destas questões.

O prefácio de Rodrigo Constantino destaca

É função dos adultos transmitir o legado da civilização aos seus descendentes, pois não se absorve isso automaticamente. Como diz Inger, ‘Em nenhuma ocasião histórica sobreviveu um grupo que não tenha sido capaz de formar a geração que lhe sucedia’. Mas será que as novas gerações estão sendo bem formadas? Ou estariam elas, em nome de uma pretensa ‘liberdade’ plena, sendo deformadas?

O que vemos em quantidade cada vez maior são adolescentes indisciplinados, rebeldes, agressivos, e com péssima formação intelectual e cultural. A ausência de limites é a marca registrada da geração que merece a alcunha de ‘mimimi’, pois, mimada ao extremo, confunde desejos com direitos. Afinal, ‘um jovem que não entende o conceito de limite se torna insolente e insuportável’.

A autora que já foi ex-assessora de educação do Governo sueco, também se mostra contra metodologias educacionais, como as de Jean Piaget:

Atualmente, quase todos os pesquisadores acreditam que é um equívoco pensar que se deve esperar que a criança amadureça para iniciar o processo de aprendizagem, tal como foi interpretado por Piaget. Este psicólogo sustentava que o entendimento se desenvolveria quase somente depois do amadurecimento da criança e que a aprendizagem seria impossível antes que se alcançasse o amadurecimento correspondente. Os pesquisadores de neurofisiologia sustentam agora que o amadurecimento pode ser acelerado. A mesma ideia da escola é baseada nesse empurrar o aluno para ir além de aonde iria somente por sua própria capacidade e vontade. A maturidade é a consequência de uma boa pedagogia.

Ao mesmo tempo em que esclarece dizendo que a

A educação é ao mesmo tempo direta e indireta. Consiste no que se diz explicitamente e o que se ensina implicitamente. Se os dois tipos de ensino transmitirem a mesma mensagem ao jovem, a educação será mais fácil e mais completa. O ensino indireto, no qual a criança “absorve” por viver em comunidade, é o mais forte dos dois. Como para todos os seres biológicos, a imitação é um modelo de aprendizagem muito importante, ainda que atualmente não lhe seja concedida tanta transcendência. Sua eficácia está relacionada com o desejo de pertença, de admiração, de aceitação, todos eles motivos de atuação de enorme força.

A autora encontra certos culpados ao esclarecer que dentro dos próprios lares, as crianças acabam por encontrar suas principais e más influências:

Crescer é se transformar passo a passo em um adulto e, para ser reconhecida como adulto, a criança deve aprender a se comportar como adulto. Precisamente por ser algo indireto é tão preocupante que alguns jovens estejam rodeados de modelos negativos. Em outras épocas, agora condenadas, falava-se de “más influências” ou de “companhias indesejáveis”. Atualmente, os modelos não desejáveis se encontram em casa, na televisão e internet, instalados pelos pais como se constituíssem o centro do lar, como também na habitação da criança, e se encontram também nos colégios com o beneplácito dos políticos, que costumam se refugiar na ilusão de que a presença eletrônica impede a deserção de jovens violentos, que veem como exclusão.

A autora também ataca o construtivismo e a pedagogia como a conhecemos:

O construtivismo ou a psicopedagogia diz que o aluno não pode aprender de algo que venha de fora, e sim que toda aprendizagem deve ser baseada no próprio aluno, em seus conhecimentos anteriores, sua vontade de aprender e seus interesses. Desta posição, foi extraída a ideia de que a aprendizagem deve ser divertida. Outra hipótese sustenta que o aluno é e deve ser sua própria autoridade em matéria de aprendizagem. Ninguém sabe como ele mesmo o que lhe apetece. Em consequência, posto que os alunos não gostarão nunca do mesmo ao mesmo tempo e já que nem todos precisarão do mesmo ensino, será impossível dar aula. Sob essa perspectiva, as explicações do professor chegam a “atrapalhar”. O novo papel do professor vem a ser o de um “facilitador”, alguém a quem se pode consultar. Esta posição se encaixa bem com a ideia do igualitarismo porque não exige que os alunos tenham um nível prévio para estar em certo grupo e, já que todos trabalham sozinhos, tampouco é necessária a coordenação de uma autoridade.

É percebido o forte viés conduzido pela autora, sendo contrária às inovações metodológicas por parte da autora e, se você for um dos que acredita que o ensino tradicional é a solução para os novos alunos que hoje estão presentes na escola, pode ir fundo, pois este livro foi feito para você. Pouco se fala das inovações na educação ou nos métodos educacionais. A autora prefere conduzir sua obra com citações de outros profissionais e autores que assim como ela também são contrários à novas formas de ensinar e educar.

A autora considera que o ato de aprender de forma divertida em um ambiente escolar pode levar ao aumento de violência:

Entendida a liberdade na escola como diversão, repete-se o lema de que deve ser divertido aprender. Dentro de cada disciplina, os alunos cada vez mais podem escolher a que parte da disciplina querem se dedicar, o qual significa que a vontade dos estudantes é mais importante na escola que a estrutura e as exigências da matéria. Contra tudo o que se sabe a propósito dos longos períodos de aprendizagem pelos quais passaram os grandes professores, agora se considera que qualquer aluno pode ir diretamente para a criatividade pessoal sem passar pela aprendizagem da tradição da matéria. Esta forma de entender a liberdade leva à destruição da tradição e ao aumento da violência.

Muitas das angústias citadas por Inger Enkvist são claramente notórias e reais. Porém não devemos simplesmente descartar o trabalho de Rousseau, Dewey, Piaget, Bourdieu e Foucault, sem falar de tantos outros profissionais que, de uma forma ou de outra, ajudaram a construir uma base para boa parte dos conceitos educacionais que temos hoje.

Vários são os aspectos contraditórios e que merecem reflexão, não por estarem certos, mas justamente pela forma ofuscada que a autora escolhe utilizar para justificar sua insatisfação quanto às novas modalidade de ensino e aprendizagem. Certamente a autora deve ter bons motivos para atacar de forma tão veemente tais questões, entretanto, vejo que no campo da educação, o atores envolvidos devem ter um olhar mais amplo e menos raso quando aspectos tão sérios estão em pauta.

Inger Enkvist é uma educadora, hispanista e ensaísta sueca. Ocupa a cátedra de literatura espanhola e latino-americana da Universidade de Lund, na Suécia. Estudou escritores como Mario Vargas Llosa e Juan Goytisolo, pensadores espanhóis e “ícones” da América Latina do século XX. Nasceu em 1947 em Värmland, Suécia.