Ler “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade” de Yuval Noah Harari foi uma experiência indescritível e talvez uma das melhores leituras que já fiz. Já nutria o desejo de lê-lo antes mesmo de ter contato com Homo Deus (do mesmo autor), mas ironicamente, acabei por começar a leitura de Homo Deus. Sabia que este último havia sido escrito antes de Sapiens e esperava que a ordem da leitura não tivesse qualquer problema. Estava certo, não teve. Aliás, a leitura de Homo Deus só me fez querer ler o quanto antes Sapiens, o que ocorreu no início deste ano de 2022.
Na apresentação da obra, encontramos tais informações:
O que possibilitou ao Homo sapiens subjugar as demais espécies? O que nos torna capazes das mais belas obras de arte, dos avanços científicos mais impensáveis e das mais horripilantes guerras? Nossa capacidade imaginativa. Somos a única espécie que acredita em coisas que não existem na natureza, como Estados, dinheiro e direitos humanos. Partindo dessa ideia, Yuval Noah Harari, doutor em história pela Universidade de Oxford, aborda em Sapiens a história da humanidade sob uma perspectiva inovadora. Explica que o capitalismo é a mais bem-sucedida religião, que o imperialismo é o sistema político mais lucrativo, que nós, humanos modernos, embora sejamos muito mais poderosos que nossos ancestrais, provavelmente não somos mais felizes. Um relato eletrizante sobre a aventura de nossa extraordinária espécie ? de primatas insignificantes a senhores do mundo.
Me arrisco a dizer que não é todo dia que o The Guardian diz algo assim:
Harari é brilhante […] Sapiens é realmente impressionante, de se ler num fôlego só. De fato, questiona nossas ideias preconcebidas a respeito do universo.
Por aí você já nota que não estamos lidando nem com um autor ou obra qualquer.
Extremamente rica em detalhes (que chega até a impressionar, já adianto), o livro foi publicado originalmente por estes lados em 2015, embora tenha sido lançado originalmente em Israel em 2011. Em Israel, ele recebeu o título Uma Breve História do Gênero Humano. Harari inclusive cita o livro Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond como uma das maiores inspirações para escrever o livro, mostrando assim que era possível “fazer muitas grandes perguntas e respondê-las cientificamente”.
Sapiens aborda a História da Humanidade desde a evolução arcaica da espécie humana na idade da pedra, até os dias de hoje, no século XXI. O principal argumento de Harari é que o Homo sapiens domina o mundo porque é o único animal capaz de cooperar de forma flexível em grande número e o faz por ser a única espécie capaz de acreditar em coisas que não existem na natureza e são produtos puramente de sua imaginação, como deuses, dinheiro, nações e direitos humanos. Harari afirma também que todos os sistemas de cooperação humana em larga escala – entre eles as religiões, estruturas políticas, mercados e instituições legais – são, em última instância, ficção. Sim, eu sei… parece um absurdo, certo? Mas o convido a ler a obra e perceberá que não existe nada de louco nos argumentos do autor. Outros argumentos apresentados no livro e defendidos Harari incluem que o dinheiro é um sistema de confiança mútua, que o capitalismo é uma religião e não apenas uma teoria econômica, que o império tem sido o sistema político mais bem sucedido dos últimos 2000 anos; que o tratamento dado a animais domésticos está entre os piores crimes da História; que as pessoas de hoje não são necessariamente mais felizes que as pessoas que viveram no passado e que os humanos estão atualmente em um processo de modernização de seus deuses.
Traduzido para mais de 30 idiomas, o livro venceu o prêmio da Biblioteca Nacional da China’s Wenjin Book Award em 2015. O livro foi selecionado por Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, para o seu Clube do Livro Online, em 2015.
Alguns trechos que merecem ser citados:
Cada ponto da história é um cruzamento. Uma única estrada percorrida leva do passado ao presente, mas uma série de caminhos se bifurca em direção ao futuro.
Muitas das forças mais importantes da história são intersubjetivas: leis, dinheiro, deuses, nações.
A história é o que algumas poucas pessoas fizeram enquanto todas as outras estavam arando campos e carregando baldes de água.
Não há como escapar à ordem imaginada. Quando derrubamos os muros da nossa prisão e corremos para a liberdade, estamos, na verdade, correndo para o pátio mais espaçoso de uma prisão maior.
[…] os humanos criaram ordens imaginadas e desenvolveram sistemas de escrita. Essas duas invenções preencheram as lacunas deixadas por nossa herança biológica.
A maioria das hierarquias sociopolíticas carece de base lógica ou biológica – elas não passam da perpetuação de eventos ocasionais sustentados por mitos. Esse é um bom motivo para se estudar história. Se a divisão entre negros e brancos, ou entre brâmanes e sudras, fosse fundada em realidades biológicas – ou seja, se os brâmanes realmente tivessem cérebro mais desenvolvido que os sudras -, a biologia seria suficiente para entender a sociedade humana. Como as distinções biológicas entre diferentes grupos de Homo Sapiens são, na verdade, desprezíveis, a biologia não é capaz de explicar as complexidades da sociedade indiana ou a dinâmica racial norte-americana. Só podemos entender esses fenômenos estudando os acontecimentos, as circunstâncias e as relações de poder que transformaram produtos da imaginação em estruturas sociais cruéis – e muito reais.
A cultura tende a argumentar que proíbe apenas o que não é natural. Mas, de uma perspectiva biológica, não existe nada que não seja natural. Tudo o que é possível é, por definição, também natural. Um comportamento verdadeiramente não natural, que vá contra as leis da natureza, simplesmente não teria como existir e, portanto, não necessitaria de proibição. Nenhuma cultura jamais se deu ao trabalho de proibir que os homens realizassem fotossíntese, que as mulheres corressem mais rápido do que a velocidade da luz, ou que elétrons com carga negativa atraíssem uns aos outros.
Cada cultura tem crenças, normas e valores característicos, mas estes estão em transformação constante. A cultura pode se transformar em resposta a mudanças em seu ambiente ou por meio da interação com culturas vizinhas, mas também passa por transições decorrentes de sua própria dinâmica interna. Nem mesmo uma cultura completamente isolada, existindo em um ambiente ecologicamente estável, pode evitar mudanças. Diferentemente das leis da física, que estão livres de inconsistências, toda ordem criada pelo homem é cheia de contradições internas. As culturas estão o tempo todo tentando conciliar essas contradições, e esse processo alimenta a mudança.
O dinheiro é o único sistema de crenças criado pelos humanos que pode transpor praticamente qualquer abismo cultural e que não discrimina com base em religião, gênero, raça idade ou orientação sexual.
Ao mesmo tempo em que o dinheiro derruba as barragens de comunidade, religião e Estado, o mundo corre o risco de se tornar um mercado enorme e um tanto cruel.
O consumismo nos diz que para sermos felizes precisamos consumir tantos produtos e serviços quanto possível. Se sentimos que algo está faltando ou fora do lugar, provavelmente precisamos comprar um produto (um carro, roupas novas, comidas orgânicas) ou um serviço (limpeza doméstica, terapia de casais, aulas de yoga). Todo comercial de televisão é mais uma pequena lenda sobre como consumir algum produto ou serviço tornará a vida melhor.
A presunção de governar o mundo inteiro para o bem de todos os seus habitantes era impressionante. A evolução fez o Homo Sapiens, assim como outros mamíferos sociais, uma criatura xenofóbica. Os sapiens dividem a humanidade instintivamente em duas partes, ‘nós’ e ‘eles’.
Uma das poucas leis da história é que os luxos tendem a se tornar necessidades e gerar novas obrigações.
O romantismo, que encoraja a variedade, casa perfeitamente com o consumismo. Esse casamento deu à luz o infinito “mercado de experiências” sobre o qual se ergueu a indústria de turismo moderna. A indústria de turismo não vende passagens aéreas e quartos de hotel; vende experiências. Paris não é uma cidade, nem a Índia é um país – são ambos experiências cuja realização supostamente expande nossos horizontes, satisfaz nosso potencial humano e nos torna mais felizes. Consequentemente, quando a relação entre um milionário e sua esposa está passando por um período difícil, ele a leva para uma viagem cara a Paris. A viagem não é um reflexo de algum desejo independente, mas antes uma crença fervorosa nos mitos do consumismo romântico. Um homem rico no Egito antigo jamais teria sonhado em resolver uma crise de relacionamento levando a esposa para uma viagem à Babilônia. Em vez disso, ele talvez construísse para ela a tumba suntuosa que ela sempre quis.
Consistência é o parque de diversões de mentes sem graça.
21 Lições para o Século 21, outra obra do autor já está na minha lista de espera. Em breve, desejo lê-lo.
Yuval Noah Harari é doutor em história pela Universidade de Oxford, especializado em história mundial e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. Sua linha de pesquisa gira em torno de questões abrangentes, tais como: qual a relação entre história e biologia? Existe justiça na história? As pessoas se tornaram mais felizes com o passar do tempo? Sapiens foi lançado originalmente em Israel, em 2011, e logo se tornou um best-seller internacional, sendo publicado em quase quarenta países. Milhares de pessoas fizeram o curso on-line do professor Harari sobre a história da humanidade, e suas palestras no YouTube tiveram centenas de milhares de visualizações em todo o mundo. Em 2012, ele recebeu o Prêmio Polonsky por Criatividade e Originalidade nas Disciplinas Humanísticas.