O livro “Se você finge que ensina eu finjo que aprendo” de Hamilton Werneck, elaborado em forma de crônica, facilita a professores e alunos a compreensão e o debate de problemas relativos à educação. A escola brasileira, com seus progressos e retrocessos, tem seus aspectos políticos, familiares, sociais, pedagógicos, etc., estimulados pelo autor e postos em debate democrático, principalmente com alunos e educadores.
Já no início da obra, publicada em 1992, é possível vislumbrar o que está por vir:
Educar é tarefa difícil. Especialmente a partir da constatação de sermos um país sem “memória”, enfrentamos naturalmente condições adversas para um trabalho contínuo, tranquilo e seguro, e para as transformações indispensáveis a criação e renovação de caminhos e ação. Torna-se então desnecessário enfatizar o cuidado e a necessidade de uma “re-visão” e avaliação urgentes do processo de aprendizagem que vem se desenvolvendo no pais. Como levar o educando compreensão de que tal processo não se restringe apenas a fornecer informações, mas também a propiciar uma base cultural e gerar elementos para uma posição crítica perante os problemas do mundo? Como vincular este processo intimamente ao momento histórico, filosófico, social e cultural? É importante observar que tais questões possibilitam interpretações várias e pessoais, e que a ausência de registro e documentação tem como consequência o desgaste e desaproveitamento de experiências e tentativas que aprofundariam cada nova atividade empreendida, permitindo um trabalho mais produtivo.
No prefácio da Prof. Tânia Lúcia Teixeira, ela bem destaca:
SE VOCÊ FINGE QUE ENSINA, EU FINJO QUE APRENDO é uma obra que tenta resgatar de forma abrangente e diversificada o verdadeiro sentido da educação e do papel social de todos aqueles que participam desse processo, dentro ou fora da escola. É um trabalho crítico onde as mentiras sociais e educacionais que impedem a vivência democrática são relatadas com clareza e seriedade. Sem a pretensão de dar soluções preestabelecidas, – abre espaço para um diálogo enriquecido, permitindo assim uma passagem reflexiva por diversos grupos sociais, sejam eles a escola, a família ou mesmo a rua que abrigará, como afirma o autor, a maior escola fundamental do mundo.
O autor deixa claro que o
[…] livro tem o objetivo de ser prático. Visa facilitar professores e alunos na compreensão dos problemas da educação, possibilitando o debate em torno deles. Não há a intenção de ensinar, há apenas o interesse de fazer uma proposta de temas facilitadores do debate. Os debatedores serão os enriquecedores dos assuntos, conforme as experiências adquiridas na vida diária. O professor, ao debater os assuntos, não precisa estar preocupado em defender a posição do autor. O importante é que, como consequência da leitura, haja o debate e a troca de experiências de forma crítica e conclusiva. A experiência em educação leva o autor a defesa de certos pontos de vista, nunca se tratando de uma imposição.
Outro trecho que vale destacar:
No momento histórico da abertura e da mudança, a escola é um instrumento de suma responsabilidade na formação das consciências. Se a dialogicidade penetrar em suas práticas, se os currículos ocultos corresponderem aos manifestos e se os educadores tiverem a coragem de deixar os seus alunos errarem, para discutir com eles o erro, haverá alguma esperança de mudança, num horizonte que entre nós retrata apenas o amanhecer.
Segundo o autor
[…] existe um fingimento muito mais amplo do que se possa pensar, no tocante a produção científica das universidades. Nos países desenvolvidos, toda pesquisa costuma ter o apoio de alguma fundação e os professores universitários são beneficiados com a redução de carga horária para desenvolver pesquisas. No Brasil, todo professor é, automaticamente, um pesquisador em ação, mesmo que nada apresente. Os contratos de trabalho envolvem 20 horas/aula, mas a realidade indica um professor, efetivamente, trabalhando pelo período de 8 horas. Nas demais, ele pesquisa, mesmo sentado junto a areia de alguma praia da zona sul do Rio de Janeiro ou a beira da convidativa Pirangi, no Rio Grande do Norte. Pesquisas… nunca efetivadas… sempre pagas de alguma forma. Como o governo não é tao otário como se apresenta, seja ele de qualquer estado brasileiro, os salários vão decrescendo na proporção destas paralisações efetivas e estratégicas.
Em outro trecho, o autor expõe que
Nós somos frutos de uma força histórica dentro do Brasil a retratar mais de quinhentos anos de colonização portuguesa, onde o comércio foi sempre considerado uma coisa de segunda categoria e o trabalho uma função de escravos. Tendo muitos para fazer os serviços domésticos, as limpezas e os ditos trabalhos pesados, os senhores ocupavam-se da política, das leis, da religião e de tudo a que não requeria o uso da força. Os anos se passaram e nós assimilamos tudo isso e somos avessos ao trabalho. E evidente que a consequência mais imediata é o impedimento, desde muito cedo, para aceitar um filho fazendo alguma coisa, algum trabalho, não tanto para efeito de remuneração, como para efeito de educação. A resultante é muito clara: os pais desembolsam mesadas semanais para que eles gastem nos clubes e nos lanches, permanecem em seus trabalhos durante todo o dia, quando não avançam por serões estafantes, deixam de lado algum lazer para levar e buscar filhos nas escolas de todos os tipos, nos clubes, na porta do cinema, e vão se transformando em verdadeiros escravos-livres, pensando estar fazendo uma obra meritória, quando fabricam adeptos da malandragem na qual não foram educados, por outras circunstâncias.
O autor inclusive participou de uma live com Sandra Paschoal sobre sobre o livro e que pode ser assistida aqui.
Hamilton Werneck é pedagogo, pós-graduado em educação, escritor e conferencista. Já realizou mais de 1.600 conferências em todo o Brasil, envolvendo colégios, secretarias de educação, sindicatos patronais e de classe e universidades. Participa ativamente da vida educacional do país por meio de programas de TV e congressos nacionais e internacionais de educação. É autor de Como encantar alunos da matrícula ao diploma (2001), A nota prende, a sabedoria liberta (2001) e Pulso forte e coração que ama (2005).