“Uma Confissão” foi a primeira obra de Tolstói que tenho contato por completo. Vez ou outra, lia um trecho de algum de seus livros, mas decidi começar por este que, além de tudo é bastante profundo por tratar da angustiante (e muito pessoal) crise de fé de Tolstói.
Lançado em 1879, após já tendo escrito duas das mais aclamadas obras da literatura universal, ‘Guerra e Paz’ e ‘Anna Kariênina’, Tolstói se encontra em uma posição de questionamento sobre o sentido da vida, enquanto é confrontado com sentimentos suicidas.
A edição que tive contato foi lançada e 2017 pela Editora Mundo Cristão e é relativamente pequena (com apenas 127 paginas). Tolstói apresenta sua crise existencial após já ser um autor celebrado! Diversas das indagações feitas ainda são muito atuais, mesmo levando-se em conta a idade da obra.
Narrado em primeira pessoa é um livro muito interessante e gostoso de ler e destaca crise do autor e sua busca por respostas, tudo tratado de maneira autêntica e bastante comovente. A tradução é de Rubens Figueredo.
Partindo em sua busca por respostas às questões mais centrais da existência, ele curiosamente redescobre a fé e experimenta um despertar espiritual. Fugindo da dogmática ortodoxa e da rigidez legalista, Tolstói percebe a grandeza da fé na vida de pessoas simples. Seu registro apresentado em Uma confissão fornece valiosos insights sobre a experiência humana da dúvida, do desespero e da falta de fé. Um conflito existencial é experimentado pelo autor que, já à meia idade, não encontra mais propósitos para viver. Tolstói pensa várias vezes em suicídio, mas aos poucos encontra no caminho da fé a sua força e propósito de vida.
Rubens Figueredo, tradutor e escritor, na apresentação da obra esclarece que
Uma confissão foi escrito em 1879, época em que Liev Tolstói residia na grande propriedade rural de sua família, Iásnaia Poliana, nos arredores da cidade de Tula, na Rússia. Tolstói tinha 51 anos. Como ele mesmo ressalta em seu livro, era casado com uma esposa dedicada, tinha filhos saudáveis e desfrutava o padrão de conforto próprio à elite russa da época. Não tinha nenhum motivo para se preocupar com as condições de vida da família. Antes, na década de 1860, Tolstói havia escrito o romance Guerra e paz e, na década de 1870, Anna Kariênina, tidos até hoje como dois dos maiores clássicos da literatura mundial. Em 1879, Tolstói era um dos escritores mais admirados na Rússia, e sua reputação já se espalhava por outros países. A despeito de tudo isso, ou, quem sabe, em alguma medida justamente por isso, foi nessa ocasião que lhe vieram insistentes ideias de suicídio, no bojo de um angustiado questionamento sobre o sentido da vida e da morte. A narrativa dessa crise e da busca de alguma resposta satisfatória, capaz de, pelo menos, mitigar as razões que o empurravam para o suicídio, constitui o corpo de Uma confissão.
Ainda na apresentação da obra, é informado que
Uma confissão só foi publicado oficialmente na Rússia em 1906, quatro anos antes da morte de Tolstói. Nessa altura, o regime tsarista estava enfraquecido pelo fracasso na guerra russo-japonesa e pela tentativa de revolução de 1905. Antes disso, contudo, no ano de 1901, a Igreja excomungara Tolstói — o maior dos castigos, no âmbito religioso —, condição, aliás, em que a Igreja Ortodoxa o mantém até hoje.
Alguns trechos que merecem destaque:
“O conceito de Deus não é Deus”, disse a mim mesmo, “o conceito é algo que se passa dentro de mim, o conceito de Deus é algo que eu posso estimular, e também posso não estimular, dentro de mim. Não é isso que eu estou buscando. Estou buscando aquilo sem o qual não poderia existir a vida.” E, de novo, tudo começou a morrer à minha volta e dentro de mim e, de novo, me veio a vontade de me matar.
Basta conhecer Deus para que eu viva; basta esquecer, não acreditar em Deus, que começo a morrer. O que é esse abatimento e essa animação? De fato, não vivo quando perco a fé na existência de Deus e, sem dúvida, já teria me matado há muito tempo se não tivesse uma vaga esperança de encontrá-lo. Afinal, eu vivo e, só quando sinto e busco Deus, vivo verdadeiramente. “Portanto, para que continuo buscando Deus?”, exclamou uma voz dentro de mim. “Olhe, lá está ele. Ele é aquilo sem o que é impossível viver. Conhecer Deus e viver é a mesma coisa. Deus é vida.”
A fé é a força da vida.
A doutrina religiosa que me foi transmitida desde a infância desapareceu dentro de mim da mesma forma como nos outros; a única diferença é que, como comecei cedo a ler e pensar, minha renúncia à doutrina religiosa se tornou consciente também muito cedo. Aos dezesseis anos, parei de rezar e, por iniciativa própria, parei de ir à igreja e jejuar. Parei de crer no que tinham me transmitido desde a infância, mas acreditava em algo. No que eu acreditava, não seria absolutamente capaz de dizer. Acreditava em Deus, ou melhor, não negava Deus, mas que Deus, eu não seria capaz de dizer; também não negava Cristo e seu ensinamento, mas em que consistia esse ensinamento, também não seria capaz de dizer.
O que sou? Uma parte do infinito.
“O que fazer, o que fazer?”, pergunto a mim mesmo, e olho para cima. Para cima, também é um abismo. Olho para esse abismo do céu e tento esquecer o abismo de baixo e, de fato, esqueço. O infinito de baixo me repele e me apavora; o infinito do alto me atrai e me sustenta.
Então, como se trata de uma confissão, esteja preparado para um soco na boca do estômago. Pois certamente esta é a sensação ao lê-lo. Mas sim, vale (e muito) a leitura! Tolstói não usa meias palavras pra colocar pra fora tudo que amargurava seu coração e como que ele encontrou os motivos para seguir em frente.
Liev Nikolayevich Tolstói nasceu em 9 de setembro de 1828, em Yasnaia Poliana, na Rússia, e morreu em 20 de novembro de 1910. Considerado um dos maiores escritores de todos os tempos, presenteou a humanidade com grandes obras da literatura universal.